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Foto do escritorObservatório da Cultura Paranaense

O QUE É UM LIVRO? (Marina Colasanti)


A pergunta se impõe neste momento em que a isenção de impostos sobre o objeto primeiro da cultura e do conhecimento está em risco. Uma contribuição tributária de 12% afastaria ainda mais a leitura de quem tanto precisa dela.

Um livro é:

– A casa das palavras. Acabei de gravar um vídeo para jovens estudantes e disse a eles que o ofício de um escritor é cuidar dessa casa, varre-la, fazer a cama das palavras, providenciar sua comida, vesti-las com harmonia.

– A nave espacial que nos permite viajar no tempo para a frente e para trás. Habitar o passado ao tempo em que foi escrito. Ou revisitá-lo de outro ponto de vista, inalcançável quando o passado aconteceu: o do presente, com todos os conhecimentos adquiridos e as novas maneiras de viver.

– A campina onde os unicórnios pastam ao lado dos dodôs, o universo onde dinossauros e mamutes continuam vivos.

– Eminentemente vegetais, os livros pertencem por direito à natureza. Não apenas porque o papel é feito de madeira, mas por serem frondosos como árvores copadas, de muitas folhas, ou delgados como arbustos. Mas, sobretudo, por darem frutos em qualquer tempo, fora e dentro da estação, sem que a frutificação se esgote ou venha a falhar.

– “Todo princípio/é apenas continuação/e o livro dos acontecimentos/está sempre aberto no meio” diz Wislawa Szymborska no poema ‘Fim e Princípio’. E tem razão. Embora cada história pareça começar em ponto determinado e acabar no ponto final, nenhuma história, nenhum livro nasce do nada e acaba em si mesmo. Uma biblioteca é um continuum , onde cada livro dá origem a outro e se multiplica. Assim como na vida, o livro dos acontecimentos e das histórias está sempre aberto no meio.

– Um tapete voador tão rico quanto o do Rei Salomão, descrito pelo historiador e teólogo Muhamad at-Tabari. Media três mil quilômetros, e Salomão mandava que se distribuíssem nele trezentos tronos de ouro e de prata, a sua corte, o seu exército com os camelos e as trompas. Depois ordenava aos pássaros que juntassem suas asas uma na outra para protege-lo e à corte e ao exército, do sol. E mandava o vento erguer o tapete e tudo o que continha, até a altura de uma milha. O tapete tapava o sol, e lá embaixo os humanos viam somente o soberano dos ventos. Assim Salomão viajava mundo afora, enquanto todos os sons e todas as palavras eram recolhidos por seus sábios ouvidos.

– A água onde vivem Iaras e Botos, o mar onde as sereias seduziam os marinheiros para arrastá-los ao fundo, e onde uma sereia teve destino contrário ao apaixonar-se por um príncipe e por este amor acabar transformada em espuma.

– A bola de cristal onde tentamos prever o futuro. Que antecipamos sempre mais problemático e assustador que o presente, porque o desconhecido – ao confundir-se simbolicamente com a morte – nos enche de medo.

– Ao mesmo tempo, espelho da realidade e ponte que nos liga aos sonhos. Crítica e fantasia. Palavra e música, prosa e poesia. Luz e sombra. Metáfora da vida e dos sentimentos. Lugar de preservação do alheio e ponto de encontro com nosso núcleo mais profundo. Onde muitas portas estão disponíveis, para que cada um possa abrir a sua.

– A selva na qual, entre rugidos e labaredas, dragões enfrentam centauros. O pântano onde as hidras agitam suas múltiplas cabeças.

– Todas as palavras do sagrado, todas elas foram postas nos livros que deram origem às religiões e neles conservadas.

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