Guerra das Vacinas
Anita Zippin
Estava uma amiga conversando com a outra on line, um pouco sobre moda, lojas fechadas,
bares fechados, parques fechados, cinemas fechados.
Uma contava de seu país que tudo ficou proibido, que contavam mais histórias de terror do
que existia, na verdade.
A outra contava que era comandava por um reizinho , mas vez que outra ela saía para respirar em outros lugares e deixava ele e suas manias para trás. Ficaram de se encontrar, mas bem vestidas.
Sim, dois frascos de vacina de países diferentes iriam se conhecer cara a cara, vidro no vidro, rótulo no rótulo.
Tinham duas mãos para fora, uma vez que a conversa corresse bem, poderiam até se abraçar. E ficaram a falar a beleza de suas almas, de seus corações, como se fosse um reality show. Uma queria ser mais bela que a outra. E de conversa branda, iniciou uma disputa. Lá fora, tantos aplaudiam.
Mas também, tantos queriam quebrá-las de tanta concorrência com o novo traje das recém -embaladas. Uma dizia bem alto:
-Você é uma farsa! Falam que é vacina, mas pelo cheiro de suas mãos, é placebo.
E a outra:
-Você nada sabe, enquanto fica a desfilar nos jornais e revistas, nos noticiários, eu estou bem produzida, e na calada da noite vou entrar em ação. Verá!
-Você quem pensa! Seu padrinho é muito fraco. Um cara de noviço que fala e fala a não mais poder, mas fazer que é bom, nada ou quase nada.
-Tem de parar com isso! De onde eu venho, tem belas universidades e todos são elegantes, inteligentes. Sabe, temos até rainha sem máscaras.
- Pensa que vale a pena! Nós aqui temos um ditador que manda e desmanda em meu país e no mundo. Ou acha que seu traje de gala veio de onde? Da sua universidade?
- Meu voo é para um lugar paradisíaco, tem muita água, mata bela e uma estátua enorme.
-E o meu é para uma cidade onde tem prédios e mais prédios e um baixinho que dita as ordens, lembrando muito meu chefe.
-Não estou gostando de sua conversa! Acha que é a maioral só porque seu rótulo é vermelho da cor da roupa do seu ditadorzinho?
-E você, fica usando símbolos de coroas e mais coroas, quando o mundo evoluiu e estas figuras passaram a ser caricatas.
-Vou te pegar, quando eu descer. Acho que vou pedir para ir onde está o mar, vai que consigo te afogar e você me deixa em paz.
-Sou a melhor, entenda! Tudo em mim ganha. Acha que vou custar apenas dez dólares? Muito mais, quero conquistar o mundo.
-Eu quem chegarei antes, vai ver. Meu avião é mais veloz que o seu, meus pilotos estudaram nas Universidades e declamam poemas, enquanto me levam para o desfile da concorrência.
-Ei, chega de conversa fiada! Acho que erraram os aeroportos. Veja, estamos descendo lado a lado. Mas, meu vestido envidraçado é mais bonito. Meu símbolo vermelho na altura do umbigo, muito melhor. Desça as escadas que quero te pegar!
-Venha se for forte, venha!
E as duas vacinas desceram enfurecidas, cada uma carregando uma arma: seringa, seringa.
Foi uma picada aqui, outra ali; um grito lá, outro acolá. Até que as duas caíram ao chão, despedaçadas.
Nisso, desceu um terceiro avião normal, quase sem fazer barulho no ar. Das escadas já se podia ver a beleza da senhorita que ali aparecia, reluzente, sem querer chamar a atenção.
Quando perguntaram quem ela era, respondeu simplesmente:
Sou a Vacina da Salvação!
(Anita Zippin , advogada, jornalista, escritora, Presidente da Academia de Letras José de Alencar e Diretora do Observatório da Cultura do Paraná)
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